04 novembro 2017

Artigo de Manuel Loff no «Público»

Uma senhora pazada
de terra sobre tantos outros textos



«(...) Como escreveu Moshe Lewin (O Século Soviético, 2005), “as representações do sistema soviético” reproduzidas no Ocidente, “largamente influenciadas pelas realidades ideológicas e políticas de um mundo bipolar”, baseadas em “juízos fundamentalmente ideológicos”, têm, desde sempre, impedido avaliar com rigor a dimensão social e cultural do projeto soviético. A sobrepolitização da análise do sistema soviético levou — e leva ainda — a que se “estude a URSS exclusivamente no seu estatuto de Estado ‘não democrático’ e se discuta o que não era, em vez de tentar compreender o que era”.

Na era do medo e do choque como instrumentos de gestão política (Naomi Klein), é revelador que a patologização das revoluções como processos de mudança tenha desenterrado as formas mais preconceituosas de encarar a história. Entre os piores vícios de análise das revoluções que por aí campeiam neste centenário de 1917 estão, antes de mais, essa essencialização da violência como caraterística genética da Rússia e da sua cultura, ou a ideia de que as revoluções, mais do que resultado da ação e da tomada de posição de grandes atores coletivos e da intersecção de tendências profundas (que maçada ter de as estudar...), são produto da manipulação de revolucionários profissionais, de líderes sobre-humanos (Lenine, Estaline) descritos como protagonistas da violência ideocrática, e, portanto, atores sociais desligados do conjunto da sociedade. Da mesma forma que as teses tradicionais da sovietologia ocidental (sobretudo Robert Conquest, 1968) e o próprio discurso oficial da URSS pós-estalinista e da Rússia pós-soviética elevaram Estaline ao altar de “tirano sanguinário empenhado em conseguir o poder total”, dessa forma “esquivando-se ao desafio narrativo de ter de dar conta da variedade das vítimas e dos perpetradores e desentranhar a complexa história da violência política na URSS” (James Harris, O Grande Medo, 2016), o discurso que se tem produzido no centenário continua a falar da “Revolução de Lenine”, que, por essa mesma autoria individual, não teria sido “uma marcha de forças sociais abstratas e de ideologias” (Orlando Figes, A Tragédia de Um Povo, 1996). Se há atitude que diz muito do ciclo de desdemocratização em que vivemos é, aliás, este regresso da velha abordagem que procura o cabecilha, em vez de entender o movimento. »

1 comentário:

  1. Há 39 anos abandonava eu o PC(R) e a UDP por causa de Mao Tsé Tung, tornado de um dia para o outro como uma nove espécie de traidor na primeira página do "Bandeira Vermelha", sobretudo pela cabeça de Enver Hoxha. Mais uma vez, "culpava-se" um homem sem atender ao colectivo onde ele estava inserido, sem atender às relações sociais realmente existentes, fugindo a uma análise séria e profunda, que obrigava ao estudo demorado da realidade chinesa, das forças existentes no terreno e de como se manifestavam no PCC, da realidade vivida na RPC. O mesmo que faziam outros quanto a Staline, etc., etc. Não se tratava de uma incapacidade, que até acredito existir, mas sim de uma posição preconceituosa, não marxista nem leninista, de fuga à análise concreta da situação concreta, porque ancorados na ideologia burguesa, a que dá ao Individuo o papel central numa qualquer história. Não que o Individuo não seja importante, mas quem se lembraria de Lenine se o Soviete de Petrogrado não quisesse de facto arrancar o poder à burguesia? Ninguém! Ou de Staline, se a grande massa de cidadão soviéticos não se tivessem empenhado na industrialização, que permitiu a vitória sobre o nazi-fascismo? Ou de Mao, se a grande massa de deserdados chineses não quisessem de facto deixar de ser uma colónia ocidental alimentada a ópio? É essa incapacidade de compreender o papel do Individuo no movimento de massas que faz com que "muito boa gente" se tenha passado com armas e bagagem para o lado de burguesia, onde pode mandar bocas contra isto ou aquilo ( ou a favor de qualquer outra coisa!), SEM NUNCA IREM AO FUNDO DAS QUESTÕES, nunca analisando o movimento concreto. Porque essa análise não interessa à burguesia, de quem se tornaram escribas de serviço. Por isso afirmo: se eles, a burguesia e os seus escribas, se assanham contra a revolução de Outubro, é pelo cagaço que dela têm, pelo medo da sua atractividade de ter sido o terceiro momento da história da Humanidade em que os sem voz falaram e tomaram o seu destino nas próprias mãos. Viva a Revolução Socialista de Outubro! Que o seu exemplo se mantenha erguido e frutifique!

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