06 junho 2013

Ele escreve na última página do «Público» !

Azares de um engraçadinho
que também é um idiota chapado


Fazendo apelo às minhas cada vez mais diminuídas reservas de tolerância e boa-vontade, há duas coisas que eu até posso admitir: uma é que o Público, temendo que os seus leitores estejam fartos de desgraças, convide um engraçadinho ou humorista para  escrever na sua última página (escusava era de ser de direita como este João Miguel Tavares); a outra é que sou capaz de calcular o que isso de ter de escrever humor com prazo marcado e dia certo.
Em contrapartida, há uma coisa em que não estou disposto a colaborar, a saber, que escrever humor seja uma espécie de passaporte para a impunidade do dislate, da parvoíce e do reaccionarismo.
Acontece que João Miguel Tavares, no quadro de elegias aos direitos da propriedade privada, nos brinda hoje com o seguinte parágrafo a respeito do caso do quadro de Crivelli : « Antes que chovam comentários desagradáveis da esquerda trompe l'oeil, eu juro por todos os santos que não sou um neo-super-hiper.megaliberal. Percebo que, no limite, haja interesses nacionais que devam ser acautelados. Só que toda abordagem deste caso, dá omo natural o impedimento da saída deste quadro, quando num país decente tal decisão só pode: 1) ser considerada absolutamente excepcional; 2) vir acompanhada de um cheque de  três milhões à ordem de Pais do Amaral».

Acontece que o engraçadinho que o Público resolveu contratar há uns tempos teve o azar de, nesta mesma edição do jornal, se explicar detalhadamente que esta pintura está protegida legalmente desde 1970 e que essa protecção «dispunha já a impossibilidade de alienaçaõ definitiva com saída do território nacional» (condicionante que está presente com toda naturalidade na legislação da maior parte dos países). E o jornal até vem acrescentar que o preço da venda a Pais do Amaral do quadro pelos seus anteriores proprietários até terá sido mais baixo exactamente por causa dessa condicionante. Enfim, talvez se possa dizer que, mais do que realmente engraçado, João Miguel Tavares caiu na graça do Público.

2 comentários:

  1. Destas vigarices está o País cheio e nem os "engraçadinhos" conseguem escondê-las.

    Um beijo.

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  2. Há-de vir o tempo em que toda a arte é património do povo mas negociatas como estas em torno de uma obra que já era considerada protegida é um crime que só a falta de escrúpulos do dinheiro e o desinteresse do Governo por estas questões demonstra que nem aos calcanhares do Salazar fascista conseguem chegar e recordo o que aconteceu com a arca onde Fernando Pessoa guardava os seus apontamentos que perante uma oferta milionária veio a ditatorial intervenção da proibição da saída da mesma para o estrangeiro.
    Ao menos o fisco estará atento a estas transacções?
    J. Monteiro

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